No último domingo (23/07) assisti junto ao meu amigo e irmão Roger Willian, a peça “Camus e o Teólogo – Um Encontro Improvável”, teço a seguir algumas considerações que me parecem pertinentes.
Não escrevo sobre a peça no aspecto técnico, primeiro porque não me reconheço na competência para isso, e segundo porque nesse aspecto, dentro do que sou capaz de ajuizar, satisfez muito ao meu gosto, e, acredito que do público e críticos em geral.
O que me toca enquanto filósofo dedicado ao estudo acadêmico da vida e obra de Albert Camus é essa imagem apresentada originalmente por Howard Mumma, em seu livro (2000), agora encenada nesta bela adaptação dramatúrgica. Somado a isso, também o meu interesse profundo pela temática do sagrado que ali se encontra, temática essa que eu abordo sob a perspectiva da fenomenologia da vida religiosa.
Eu li originalmente “Albert Camus e o Teólogo”, assim que publicado em língua portuguesa (2002), portanto, há 21 anos; particularmente achei o livro lindo e uma narrativa edificante, neste segundo adjetivo é que talvez resida a gênese de minhas ressalvas a ele. Explico: Na esfera da religião cristã, o discurso edificante, escrito ou proferido oralmente, visa a validação, a confirmação e a fundamentação da existência humana, desta forma, constituí um tipo conhecimento que pretende elevar o ser humano decaído em razão sua condição pecaminosa, à condição de “[…] varão perfeito, à medida da estatura completa de Cristo”, como escreveu o apóstolo São Paulo aos fiéis de Éfeso.
Por mais belo e reconfortante que seja para muitos o acento de sentido e de significado feito pela mensagem cristã ao Camus do livro, a narrativa em si me soou, na época da leitura, e, agora por meio da peça, deveras inverossímil.
Esse parágrafo a parte é meu modo de ressaltar que talvez essa inverossimilhança da narrativa esteja muito mais na minha percepção, do que nela mesma, de modo algum obscurece a beleza ou reduz o valor do escrito de Mumma (e da peça agora em cartaz) antes, do meu ponto de vista tem todos os méritos de um escrito ficcional que chama a atenção para as grandes questões existenciais guardadas no recôndito de nossas almas.
As duas personagens parecem tipos de uma imagem muito comum no imaginário religioso cristão, Camus, um ateu atormentado por dúvidas existenciais, relativas a Deus, ao mal, a morte de crianças inocentes, ao sentido da vida; nada de novo ¾ inclusive, eu mesmo exploro essa faceta em livro sobre Camus e outros já o fizeram, sob outras perspectivas. Mumma, o ministro cristão que outrora atormentado por essas mesmas dúvidas encontrou pela fé na mensagem da Bíblia as respostas satisfatórias.
Tudo muito paradigmático, todo muito bem arranjado, cada coisa bem ordenada em seu lugar, sem absurdos. O homem atormentado confessa que inveja e deseja alcançar a mesma “ataraxia” do ministro cristão, e, contra tudo o que acreditou e escreveu ao longo de sua vida ele lhe pede o batismo.
Já foi dito por outros que essa decisão do Camus do livro é totalmente contraria às convicções por ele expressas em seus escritos e que tal decisão constituiria em abraçar o suicídio filosófico que tanto condenara. Todavia, é contraproducente acreditar cegamente que um autor viva em total coerência com sua obra, não nos faltam exemplos contrários, como não nos faltam exemplos de conversões surpreendentes, posto que converter, sobretudo, no sentido da religião é expressão de uma mudança em direção totalmente contraria à que se caminhava anteriormente.
Frustra-nos, porém, que se ao menos houve esses encontros entre Camus e Mumma não tenhamos quaisquer evidências, registros por parte do filósofo-artista algeriano, o que é estranho dada a natureza escrevente de Camus.
Camus E O Teólogo: Um Encontro Improvável. Da Obra “Albert Camus And The Minister” De Howard Mumma. Direção Geral: Clarisse Abujamra. Adaptação: Cássio Junqueira e Cassio Scapin; Codireção e Atriz Convidada: Amazyles De Almeida. Direção de Produção: Daniel Torrieri Baldi.
Fernando Alves Pinto (Howard Mumma) e Alexandre Barros (Albert Camus); Amazyles De Almeida (Simone Weil)
Teatro Aliança Francesa – Temporada: 16 de junho a 06 de agosto.